Quando falamos em deserto, o que vem a sua mente?
Feche os olhos e pense por um momento em todas as imagens que te remetem a um deserto! O que você vê? Como poderia descrevê-lo?
Seria ele um local árido, vazio, sem vida, repleto de areia por todos os lados ou de solo rachado pela ausência de água? Ou um local que te remete ao medo, à solidão, ao desconforto, às provações e aos obstáculos?
Com certeza essas são as primeiras concepções que surgem à nossa mente, não é mesmo? Pois são as definições clássicas para tal significado, seja ele no sentido físico (geográfico) ou psicológico (espiritual).
Etimologicamente a palavra deserto vem do latim desertus, cujo significado é “abandonar”. Geograficamente, é definido como um local ou região que recebe pouca precipitação pluviométrica, isto é, baixa freqüência de chuvas. Daí, o fato de tais associações.
Mas então o que dizer da afirmação O Deserto é Fértil. Não seria essa uma expressão totalmente contraditória, considerando-se sua definição etimológica e geográfica? Antes de emitirmos qualquer opinião, analisemos primeiramente as passagens bíblicas que se seguem.
Quando Maria e José foram ao Templo apresentar o menino Jesus, seguindo os preceitos da lei, encontraram logo na entrada Simeão, homem justo e piedoso, a quem fora prometido pelo Espírito Santo, que não morreria sem ver o Cristo de Deus. Ao ver a criança, Simeão louvou a Deus e disse a Maria que Jesus seria sinal que provocaria contradições: “Eis que esse menino está destinado a ser uma causa de queda e soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações.” Lc 2,34-35.
Em outra passagem de Lucas, após ser batizado por João Batista no Rio Jordão, Jesus Cristo foi levado ao deserto pelo Espírito Santo, onde foi tentado pelo demônio e enfrentando-o, venceu-o em suas tentações, confirmando sua total fidelidade e obediência a Deus: “Cheio do Espírito Santo, voltou Jesus do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde foi tentado pelo demônio durante quarenta dias e quarenta noites. Durante esse tempo Ele nada comeu e terminados estes dias, teve fome.(…) Depois de tê-lo assim tentado de todos os modos, o demônio apartou-se dele.” Lc 4, 1-13.
No evangelho de Mateus, o evangelista narra sobre João Batista citando: “Este é aquele de quem falou o profeta Isaías, quando disse: Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.” Mt 3, 3. E de fato João Batista esteve sempre no deserto, usava vestimenta de pêlos de camelos e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. O próprio Jesus questionou o povo acerca de João: “Disse Jesus à multidão a respeito de João: Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Que fostes ver então? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis. Então porque fostes para lá? Para ver um profeta? Sim, digo-vos eu, mais que um profeta.” Mt 11, 7-9.
No livro do Apocalipse, São João narra uma passagem sobre a Mulher e o Dragão, na qual o Dragão queria devorar o filho que a mulher estava prestes a dar à luz: “Ela deu a luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e de seu trono. A mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil e duzentos e sessenta dias.” Ap 12, 5-6.
Nos trechos acima o deserto possui a mesma conotação da definição que inicialmente demos a ele? Certamente não! Como pudemos perceber, contraditoriamente, o deserto é de fato fértil. Sua capacidade produtiva vai muito além do que nossos sentidos e razão podem compreender. O deserto representa para o homem o encontro com Deus e consigo mesmo. É o abandono do eu dentro de si mesmo. É a ausência de toda e qualquer máscara que nos impede de encontrar a nossa verdadeira essência. É o sair da zona de conforto para perceber o nosso potencial de força, de coragem, de fé e de atitude.
O deserto representa o momento, a situação, a oportunidade na qual somos convidados a nos fortalecer e promover um crescimento pessoal. Ele é o ambiente pelo qual todas as riquezas e tesouros ocultos em nós se afloram. Ele representa o silenciar a voz do mundo dentro de nós, para que no silêncio de Deus possamos ouvir sua voz e compreender sua vontade.
Os desertos, enquanto regiões geográficas, freqüentemente abrigam uma riqueza de vida que normalmente permanece escondida (especialmente durante o dia) em função da baixa umidade. Além disto, contêm depósitos minerais valiosos que foram formados no ambiente árido ou que foram expostos pela erosão. Vale ainda lembrar que aproximadamente dois nonos da superfície continental da Terra são desérticos. O que dizer então da riqueza que o deserto é capaz de produzir e/ou ressaltar no campo psicológico e espiritual do homem?
Espiritualmente, o deserto representa o fogo de intensidade máxima a qual alma sendo submetida se funde à vontade de Deus, tal qual o ouro nas mãos do ourives. É justamente no deserto, que nossa alma se molda à forma d’Aquele que nos criou. É o lapidar daquilo que de mais precioso temos: nossa alma!
Estar no deserto ou ir de encontro a ele não significa de forma alguma que as tentações e provações não acontecerão em nossas vidas. Ao contrário, significa que ainda há a possibilidade de se voltar atrás e seguir outro caminho; Que se faz necessário uma mudança de vida; Que ainda existe tempo de cuidar do jardim para que as borboletas venham até ele. E mais do que tudo isto, que o deserto é extremamente fértil e produz frutos concretos e permanentes na alma humana.
Passar pelo deserto é uma graça divina, estar permanente nele é assumir a missão deixada por Cristo.
Que o deserto nosso de cada dia seja sempre fértil segundo os dons do Espírito Santo…
Fonte: O DESERTO É FERTIL